Esta crônica foi publicada originalmente no blog primeiracoluna.blospot.com.br em 13 de abril de 2005 por Carlos Moreira
Passada a primeira infância, em que a moda, na época, eram grandes cachos de
cabelos (talvez uma influência tardia da moda francesa imortalizada pelos Reis
de França, de Luís XIII a XVI), fui levado por meu pai, Wencery, à Barbearia
do Seu Mundo Ricardino, que ficava ali vizinho à casa do Seu Luís
Malaquias, defronte à Padaria do Mestre Laurindo, para fazer um corte à moda
Príncipe de Gales (corte militar, de influência britânica).
Seu Raimundo Ricardino, ou "Seu Mundo", como todos o conheciam, um
homem alto, ereto, cabelos de corte militar, à máquina, vendo meu diminuto
tamanho, colocou sobre a cadeira um banquinho de madeira para que eu alcançasse
altura suficiente para dar acesso à tesoura e à maquina. Senti um estranho
poder naquele homem; de um momento a outro, de um bebê me transformou num
homem. A partir daí, passei a admirá-lo e a observá-lo.
Seu Raimundo Ricardino em ação (foto - acervo pessoal de Edson Morais)
Nas minhas andanças de menino de cidade do interior, fuçava, juntamente com os
colegas (dos quais, em futuro, pretendo falar) todos os recantos da urbe
(cidade grande tem que ser chamada assim - em latim) e vi que Seu Mundo também
tinha outra habilidade: tocava tuba na Banda de Música da Paróquia, que animava
todas as festividades religiosas da terra (quem não se lembra dos dobrados na
calçada da igreja e dos curtos acordes depois de cada arremate nos leilões
beneficentes na Festa da Padroeira?).
Fiquei freguês. Por morar perto, muitas madrugadas corria para o quartinho da
Banda para, com outros meninos, acompanha-la até o patamar da Igreja onde,
depois da missa, havia uma retreta (para os mais novos, concerto de uma banda
de música em praça pública). E ele lá estava com sua tuba, juntamente com Seu
Catunda, no bombardino; Tunga, no bumbo; Antônio Jardelino, no trombone, e
outros de cujo nome não lembro (me desculpem) executando seus respectivos
instrumentos.
Seu Mundo era o maior de todos e tocava o instrumento maior. Tinha tudo a ver
com "mundo". E aquele grande homem não era só isso, não. Nas noites
ipueirenses comandava o "espetáculo da luz". Era ele, e só ele, quem
iluminava a cidade, por ser o encarregado pelo funcionamento e manutenção do
"Motor da Luz" (era assim que toda a gente chamava), e todas as
noites, com seu enorme e estranho poder, mandava todos dormir, ao "dar
sinal" de que, em meia hora, iria desligar a luz.
Até hoje, no meu pensar, tenho plena convicção de que SEU MUNDO ERA O HOMEM DE
MAIOR PODER EM IPUEIRAS, pois, homem de muitas habilidades, transformava
crianças em homens, com um simples corte de cabelo, tinha o poder supremo de
acordar a cidade com as alvoradas da Banda e, ao fim do dia, dava o toque de
recolher, ao apagar a luz, mandando todos dormir. Como não tinha instrução
suficiente para compreender que "mundo" era um apelido derivado de
"Raimundo", seu nome, achava que "mundo" era por conta de
seu poder. Quase "Dono do Mundo".
"Seu Mundo Ricardino", no lugar onde estiver, representado por seus
familiares, merece receber, de toda a comunidade, a homenagem de figurar no rol
das Personalidades Ipueirenses, pelos relevantes e inolvidáveis serviços
prestados à nossa terra. *PC*
Walmir Rosa de Sousa, é
ipueirense e procurador de justiça no Estado do Ceará além de grande cronista
da cidade de Ipueiras. Este é um currículum provisório, devendo ser
complementado oportunamente para uma adequada apresentação.
3 Comentários:
Maravilhosa crônica, amigo Walmir. Parabéns!
Jean Kleber,
Ao ler a crönica do Walmir, me inseri no contexto. Fui muitas vezes tocado pelo pente, tesoura e mãquina de cortar cabelo do seu Mundo e saia de sua barbearia devidamente identificado como menino, pois, na epoca, cabelo comprido era so para meninas. Talvez, com o advento do Beatles e da turma da jovem guarda, diminuiu muito a frequencia da meninada ao quartinho do nosso homenageado. Tambem fiz parte do grupo de 'cabelos grandes e ideias curtas' que ensejou ao desaparecimento da profissao do barbeiro profissional. A crônica trouxe-me tambem a
lembrança do Prof Horacio Didimo lendo um poema de Carlos Drumond, do qual transcrevo uma das estrofes a seguir
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Abraços do Tadeu Fontenele.
A crônica de Walmir nos leva a uma saudosa Ipueiras que jamais sairá da memória dos que lá viveram.
Aqui estou matando a saudade de Ipueiras e também do amigo Walmir.
Meu abraço a todos.
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