Suaveolens

Este blog foi criado por um cearense apaixonado por plantas medicinais e por sua terra natal. O título Suaveolens é uma homenagem a Hyptis suaveolens uma planta medicinal e cheirosa chamada Bamburral no Ceará, e Hortelã do Mato em Brasília. Consultora Técnica: VANESSA DA SILVA MATTOS

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Local: Brasília, Distrito Federal, Brazil

Cearense, nascido em Fortaleza, no Ceará. Criado em Ipueiras, no mesmo estado até os oito anos. Foi universitário de agronomia em Fortaleza e em Recife. Formou-se em Pernambuco, na Universidade Rural. Obteve o título de Mestre em Microbiologia dos Solos pelo Instituto de Micologia da Universidade Federal de Pernambuco. Também obteve o Mestrado e o Doutorado em Fitopatologia pela Universidade de Brasília. Atualmente é pesquisador colaborador da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília.

27.9.11

A PSICOPATOLOGIA DO MERCADO

Por
José do Vale Pinheiro Feitosa
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No segundo semestre de 1972 um grupo de jovens ligados a um movimento esquerdista de classe média tentou roubar um banco em Ipanema no Rio de Janeiro e isso desencadeou a roda da insensatez. Um dos jovens foi baleado, uma companheira escapou junto com o ferido e uma vez tendo um namorado cuja mãe era médica e esposa de um político cassado, convenceu o namorado a levar o ferido até a mãe para retira-lhe a bala. Dito e feito, a mãe sentindo o “envolvimento” do filho (levar o ferido até ela), retirou e fez o curativo no rapaz em casa mesmo.
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Algumas semanas mais tarde, na fuga, o jovem foi preso em Belo Horizonte e sob tortura abre tudo, inclusive o nome da médica que não sabia nada do movimento rebelde. O exército, à paisana, ligado ao DOI-CODI da Barão de Mesquita na Tijuca invade a casa do político e prende todo mundo, inclusive os jovens da vizinhança que costumavam freqüentar a casa. O político cassado é aprisionado, ameaçado para entregar o filho que nesta altura havia se refugiado em Saquarema praia onde rolava um fuminho, era disso que ele gostava, além do rock e do surf.
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O pai é levado para a Barão de Mesquita, ameaçado sob pressão, posto na famosa geladeira e finalmente transportado para Saquarema para encontrar o filho que havia fugido dali. Depois é recolhido em casa e como o jornal do Brasil começasse a investigar a “ação” em plena zona sul, inclusive por denúncia de uma política que era amiga e vizinha do casal, o exército saiu de lá, mas levou a médica presa. A política era ligada ao Lacerda, amiga de generais e simpatizava com a direita brasileira e, assim mesmo denunciou a ação.
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A médica desapareceu. Por trinta dias estava sumida. Mesmo o político cassado tendo grandes relações no Rio, não conseguiu apurar a situação da sua esposa. Finalmente receberam notícias que ela estava internada e que tinha sofrido uma cirurgia no Hospital do Exército. Orlando Geisel, Ministro do Exército de Médici, que já virara general de pijama no final do Governo Jango e por este foi promovido e tendo recebido a notícia a pedido de Jango pela voz do político cassado, mandou avisá-lo que ele iria visitar a esposa. Ele recebeu a autorização e foi na Barão de Mesquita para os trâmites finais.
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Simultaneamente o General Fiuza, comandante do DOI-CODI telefonou para a política para se queixar por que o político cassado não o tinha procurado antes para saber notícia da esposa. A política lhe disse: ora General, ele não tinha que lhe procurar coisa alguma, você é que deveria ir procurá-lo. Então o político entrou na sala do General Fiuza que estava junto de outro oficial, o dispensou e veio até o político para tecer considerações que justificavam a tortura.
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Coisas terríveis que tinha de praticar para receber informações sobre o inimigo. Ele até se lamentava por que já havia perdido alguns excelentes oficiais que se “viciavam” tanto nas sevícias e no sofrimento alheio que iam até o fim. E finalmente disse que a mulher tinha sido muito bem atendida no hospital do exército, que tinha sido atendida por um ótimo profissional. Um “ótimo profissional” que operava as pessoas sem nem ao menos consultar os familiares foi o que lhe respondeu o político cassado.
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Aquilo era a senha final do enredo: o DOI-CODI já não sabia mais separar a boa fonte de informação daquela que não tinha informação alguma. Naquele caso, a médica só tinha duas informações: que havia retirado uma bala e esta fora de um jovem que ela nem sabia o nome. Eis o exemplo fatal da irracionalidade patológica sobre as instituições, de como psicopatas chegam a elas e como elas transformam pessoas normais em psicopatas irracionais.
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Esta história se deu e aconteceu no clima dos anos setenta quando o Brasil se envolveu numa ditadura militar cujo eixo era a Guerra Fria. A luta para alguns entre os exploradores imperialistas e a libertação dos povos oprimidos. Ou para outros a luta entre o bem do capitalismo e o demônio do comunismo. Vieram os anos 90 e um dos pilares da guerra fria desmoronou e sobre os seus escombros os inimigos descobriram o horror da tortura e das prisões irracionais. Falo da ex-União Soviética. Claro que o inimigo do comunismo comemorava a própria vitória.
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Terminamos os anos 90 com as bandeiras desfraldadas do neoliberalismo econômico, a globalização financeira a mostrar a nova realidade, o furor das privatizações e o muxoxo desdenhoso com os arcaicos da velha realidade. Foi aí que o primeiro mito caiu: o da infalibilidade física do imperial poder da globalização. As torres gêmeas de Nova York, precisamente por que era um prédio de abrigo dos especuladores de Wall Street, se desmorona com aeronaves civis do próprio império. O império era vulnerável: todo mundo assistiu pela rede mundial de televisões.
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No final da primeira década dos anos dois mil, menos de vinte anos após o primeiro pilar da guerra fria vir abaixo, cai o segundo pilar. Hoje estamos num total desprovimento dos mitos destas duas forças do século XX. O século XXI finalmente começou como algo novo e diferenciado. Parece que as regras estão todas a mudarem. A racionalidade da marcha da expansão da Rússia e dos EUA foi historicamente superada.
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Recente estudo no paraíso do liberalismo econômico, a Suíça, parece ter evidenciado o que sempre se soube desde o século XX: o equilíbrio ótimo, trazendo ganhos para todos que seria a racionalidade do Deus Mercado não existe. E não existe no real do mundo: nas pessoas que afinal demonstraram o mesmo vício dos torturadores do DOI-CODI da Barão de Mesquita.
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O estudo comparou corretores da bolsa com um grupo controle de pessoas normais e com psicopatas internados em clínicas de segurança máxima da Alemanha. O que caracteriza os psicopatas? Comportamento egoísta e não-cooperativo, desprovidos de qualquer empatia e responsabilidade social. Pois bem os corretores se comportaram de modo menos cooperativo que os psicopatas. E tem coisa pior, que justifica a crise do mercado: os agentes financeiros tiveram resultados piores que os psicopatas em relação aos ganhos finais de suas decisões.
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Acontece que os “psico-corretores” são apenas capazes de maximizar seus ganhos à custa dos oponentes. Tiveram desempenho péssimo no que se refere à performance geral, ou seja, nos tais ganhos absolutos que os clássicos da economia santificavam. Na verdade esta psicopatologia de mercado tem um comportamento altamente destrutivo do ambiente social e se expressa como diz o psiquiatra que realizou o estudo: “É como se você destruísse o automóvel do seu vizinho com um taco de beisebol, para que seu carro seja o mais bonito da rua”.
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Enfim a dinâmica do outro pilar era a traição sistemática do companheirismo e da sociedade.
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Foto: site:dicasdiarias.com/como-investir-na-bolsa-de-valores/

José do Vale Pinheiro Feitosa – nascido na cidade de Crato, Ceará, em dezembro de 1948, morando no Rio de Janeiro há 34 anos. Médico do Ministério da Saúde. Publicou o Romance Paracuru em 2003. Assina matérias em alguns blogs e jornais. Em literatura agita crônicas, contos, poesia e ensaios de temas variados. Gosta de pintar e tem alguns trabalhos de escultura. Colabora no Blog da Cidade do Crato.

25.9.11

O Sitio no Lamarão

Por
Bérgson Frota

Lembro-me que quando era fins de setembro e princípio de outubro costumava ir de bicicleta ao Lamarão. Um terreno próximo à Ipueiras, mas para o lado do sertão.

Meus avós maternos estavam lá. Passavam sempre esse período no sítio, pois era o tempo do caju, e este não faltava. Meu avô costumava também usar a madeira dos pés de sândalo e fazer baús, mesas e cadeiras.

Naquele sítio antes tinha mais sândalo e agora só restavam cinco pés, a madeira cheirosa e amarronzada fazia com que fosse cobiçado, serrados e transformados em molduras e outros utensílios como estantes e esculturas, fora as que meu avô se especializou.

Portanto junto aos restantes pés de sândalo, havia muitos cajueiros já floridos, uns com o avermelhado ou amarelado caju pendurado e outros já caídos ao chão folhoso.

Havia uma depressão de pedras e pouco mato, num caminho já feito pelo tanto andar dos que desciam ao rio. Lá só se via cacimbas no rio Jatobá seco, que neste trecho dava uma curva longa e fechada para o rio Acaraú.

Quando voltava para casa do sítio levava duas cestas de cajus, percorrendo uma trilha de modo que passava por baixo dos sândalos com o ar fresco e cheiroso das sombras das árvores.

Na casa minha avó escolhia os cajus, separando-os das castanhas. Cumprida esta missão, ia de bicicleta em direção ao açude que pela região chamava-se o açude do Lamarão, cheio no inverno, mas baixo nesta estação.

Soprava um ar fresco que tinha cheiro de peixe. O peixe que nunca lhe faltava.

Costumava demorar às vezes um dia, e lá para as cinco horas da tarde estava chegando pela estrada carroçal à cidade. Outras vezes dormia com eles, acarinhado pela avó que me contava histórias regadas por gostosas castanhas assadas. Meu avô ao lado balançava-se numa cadeira de sândalo, engenhosamente trançada, fumando lenta e ritualisticamente seu charuto.

Assim repetia-se essa história, sempre na segunda metade do ano.

Hoje já adulto lembro do sítio no Lamarão, o sítio dos cinco sândalos, o acarinhar dos avós que depois partiram para Fortaleza para duas ou três vezes lá voltarem.

Quando cheiro um perfume cuja essência maior é o sândalo ou vejo o caju em abundância nos supermercados, tais aromas e visões, fazem-me viajar mentalmente a infância e lembrar tardes e manhãs, e também noites mágicas lá passadas, no sítio do Lamarão. E sem conter as lágrimas, sentir saudades daquele casal idoso e querido, que hoje, ambos já partidos na madrugada da vida tanto me marcaram.

Foto: Açude do Papagaio em Ipueiras. Acervo de Paulo Pinho.

Bérgson Frota, escritor, contista e cronista, é formado em Direito (UNIFOR), Filosofia-Licenciatura (UECE) e Especialista em Metodologia do Ensino Médio e Fundamental (UVA), tem colaborado com os jornais O Povo e Diário do Nordeste, desenvolvendo um trabalho por ele descrito de resgate da memória cultural e produzindo artigos de relevância atual.

20.9.11

ENCONTRO DE IPUEIRENSES EM FORTALEZA VERSÃO 2011

Neste fim de semana no Oásis, em Fortaleza, foi realizado mais um festivo encontro dos "Filhos e Amigos de Ipueiras". A festa foi amplamente noticiada no Facebook Ipueiras-Ceará. Na foto um flagrante do encontro. Parabenizamos os organizadores e participantes por mais este expressivo momento de congraçamento.
Nesta foto:Jorge Luiz, Paulo Pinho, Savana (esposa PP) e Eduardo Aragão.
Nadia E. Nando:"na foto aparecem as amigas Leontina de Aurora e Lucinda de Ipu, recebidas pelo casal ipueirense Zé Luiz e Mundinha!"

CHORO DOBRADO

Por

Dalinha Catunda

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Foi antes da primavera

Que ele partiu pro além,

Nos braços de um violão

Que ele tocava tão bem.

O choro que era tocado

Agora é choro chorado

Que junto às lágrimas vem.

*

Foi nas terras de Iracema

Que nasceu nosso Alencar

Com as suas sete cordas

Nos encantou ao tocar.

Nesta tocante saudade

A tal dor dói de verdade

E o choro não vai parar.

*

Onde existir um bom grupo

Dedilhando um violão

Lá no planalto central,

Nas quebradas do sertão,

Alguém vai se lembrar

Das sete cordas a tocar

Do alencarino chorão.

Depoimento de Edson Morais a Dalinha Catunda sobre Alencar Sete Cordas


Depoimento de Edson Morais a Dalinha Catunda sobre o famoso músico Alencar Sete Cordas falecido recentemente em Brasília em e-mail de 20 de setembro de 2011

"Olá Dalinha! Há pouco tempo atrás, em conversa com o Diassis Martins que é de Ipu, falamos sobre o Alencar e inclusive mandei-lhe uma foto de término de ginásio em Ipueiras em que fazem parte êle e o Abílio que vieram juntos terminar a 4ª série em Ipueiras. Na foto ele está agachado ao lado do Olídio do Manuel Franco (com violão). Que Deus o tenha!
Edson"

De Tadeu Fontenele
Caro Edson,
Vi as notícias sobre o Alencar. Bastante satisfeito fiquei pela atuação dele no universo musical de Brasília. Que Deus o receba bem e destine a ele um bom lugar. Quanto a foto que você inseriu (todos ainda com a mesma cara) creio ter havido engano em relação ao ano da turma. Foi grafado 1967 ao invés de 1968, pois a turma de 1967 é aquela que fiz parte. Abraços do Tadeu.

17.9.11

AS HISTÓRIAS DE TRANCOSO

Por Bérgson Frota

Quando pequeno, lá pelos sete a oito anos era como todas as crianças da época, fascinado por ouvir histórias, e estas se sendo de trancoso, ainda melhor.

Eram histórias de assombração, e quem disser que criança não gosta de ouví-las, falta com a verdade. Pois o medo e assombro nelas, acorda sentimentos que precisam ser vivenciados principalmente na infância.

Em Ipueiras era comum na década de setenta pelo menos uma ou até mesmo três vezes ao mês a falta de energia, o que com o tempo foi se tornando mais raros esses apagões.

Nós já sabíamos como proceder quando se dava a escuridão na cidade e aonde irmos. Tias idosas ou mesmo avós que nas calçadas em uma cadeira de balanço eram rodeadas por crianças.

Aí começava a narrativa.

Era uma vez, não faz muito tempo, um homem que morava numa casa que todos diziam ser assombrada pelo espírito ...

Ficávamos ligados naquelas histórias de trancoso que, enchia-nos de medo, mas nos atraía. As narrativas iam criando em nossa mente os personagens, e por fim depois de várias histórias, com o passar das horas, íamos sempre em grupos de três a cinco, percorrer as escuras ruas da cidade, iluminadas às vezes pela lua e nunca a faltar as estrelas.

Procurávamos não falar do que ouvimos. Como se o silêncio nos fizesse esquecer as assustadoras narrativas.

Cada um ia ficando em suas casas, até que o último, de forma heróica, se dirigia apressado, sozinho para casa.

Na madrugada era raro não termos pesadelos, e acordarmos molhados. Lentamente checávamos embaixo da cama ou aum canto escuro do quarto. Depois nos cobríamos com o lençol e encolhido ficávamos, com os olhos abertos, atentos a qualquer barulho. Até finalmente sermos vencidos pelo sono.

No outro dia a bronca pela cama molhada. Para nós um ralhação sem importância, afinal durante o dia estávamos livres das assombrações, nos trazendo ele novas aventuras e ocupações.

Logo os personagens assombrosos seriam esquecidos ou lembrados com uma força fraca, já impossível de nos causar qualquer medo.

Assim eram as histórias de trancoso, parte boa a ser lembrada do nosso passado quando ainda éramos crianças.

Figura: site faroldenoticias.com.br/site/ptb-desfiliacao-em-massa-de-geni-virou-estoria-de-trancoso/

Bérgson Frota, escritor, contista e cronista, é formado em Direito (UNIFOR), Filosofia-Licenciatura (UECE) e Especialista em Metodologia do Ensino Médio e Fundamental (UVA), tem colaborado com os jornais O Povo e Diário do Nordeste, desenvolvendo um trabalho por ele descrito de resgate da memória cultural e produzindo artigos de relevância atual.

7.9.11

Coisas Engraçadas de Não se Rir XII: Literatura Para Quem?


Raymundo Netto
Especial para O POVO Fortaleza-Ce 07.09.2011

Nunca gostei ser chamado, ou às vistas, de intelectual. Claro, o criar, como o escrever, é ação intelectual, pois de empregar mente e espírito. Por outro lado, quando o intelectualismo prima da racionalidade em despeito às emoções, perde para mim toda a graciosidade. Prefiro vejam-me artista, é como me gosto ser, mesmo apoucado, aprendiz, seja como for ou quiserem. A arte, cuja matéria-prima é a palavra, esta sim, me apraz.

Os intelectuais, forma geral, são por demais atentos, leem de tudo e escrevem sobre, discursam, trocam ideias, confabulam, e pela humanidade da qual não escapam — embora uns ambicionem emergir a ela em sobranceria estomacal — glorificam-se de deléveis vitórias em debates cerebrais. O mundo precisa deles, não resta dúvida, mas longe de mim, dessa forma não sou e anuncio, resultando em estranhamento, até em antipatia, por alguns a entenderem como arrogante o meu desapego à honraria que sequer mereço nem faço questão.

Confesso: não gosto de ler de tudo; por das vezes, escapo-me às leituras recomendadas. Dias há a desligar-me de todas as coisas do mundo: política — atemoriza-me a visão de fotos em acenos sorridentes cuja legenda traz a palavra “aliança” —, economia, conflitos mundiais e da violência — páginas de nunca ler nem assistir, bastantes as de me chegar involuntárias.

Enfim, sou apenas assim, ligado a saber mais, e não só, das coisas do âmago das gentes, de suas vidas corriqueiras, das coisas engraçadas de não se rir, ou mesmo daquelas de se lascar de rir, mas de íntimas humanidades, folhas de não se deixar levar ao vento.

Outros há que fazem pirotecnia da sua literatura. Escritores de preferir — e precisar malsofridamente — o apavonado reconhecimento de intelectual. Acham-se cultos, no sentido erudito — quase exclusivo — do termo, e escrevem com monotonia ou ilegibilidade, em experimentalismos a acobertar-lhe a ausência ou excessos de conteúdo pelo garimpo artificial do vernáculo. Curiosamente, se enfurecem com o não reconhecimento de seus palavrórios a deixar o leitor a ver navios, isto é, se inda conseguir proporcioná-lo ao menos esse deleite.

Sou livre: não leio nada que não seja do meu gosto. Dou-me sempre, porém, a chance de arriscar ou de surpreender-me — felizmente, muito acontece. Não sou ensaísta, resenhista, nem crítico. Leio por gostar e pouco me impressiona assinatura de autor. Na minha simples, talvez ignorante, visão das coisas, conheci picassos que não deixaria enfearem minhas paredes.

Acho lindo quem sabe de cor poemas inteiros, frases marcantes, nomes de personagens e títulos de livro. Tenho vários amigos queridos de ser assim. Adoro escutá-los e aprendo com eles. Eu, pobre desmemoriado a não saber nem do número do próprio telefone, sem pressa de publicar ou de me chegar onde não sei, por aqui, atrevo-me em perigoso direito de pensar alto. Entre tantos, na primeira vez de ler “Os Maias”, quanto mais eu o lia, mais ânsias me tomavam. Motivo? O livro precipitava uma conclusão. Passava dias a deixá-lo quieto, de canto, diante do temor de encarar o instante do cerro da quarta capa, tão companheira e bela me era a sua leitura nos dias chatos, enjoado que sou, de quase todos os.

Raymundo Netto. Contato: raymundo.netto@uol.com.br

blogue AlmanaCULTURA: http://raymundo-netto.blogspot.com


Raymundo Netto que vez ou outra se lembra do mundo grande, é escritor, apaixonado nem sabe o porquê por Fortaleza, e a ela dedicou o romance Um Conto no Passado – cadeiras na calçada e mais algumas horas.

2.9.11

Quando o Zeppelin cruzou os céus de Ipueiras

Por
Bérgson Frota

Na década de 30 do século passado, cruzava os céus levando passageiros os Zeppelins, enormes balões em formato de charuto, guiados por hoje primitivos mecanismos de navegação. Tinham na parte inferior uma longa estrutura com quartos, salões e a cabine de navegação.
Cruzava a Europa em viagens aos Estados Unidos e a partir de 1931 passou a fazer viagens à América do Sul.
As viagens transoceânicas no Zeppelin deslumbravam seus passageiros, os quais futuramente passariam em meados da década de 30 a utilizar os aviões.
Os Zeppelins quando vinham da América do Norte em direção a do Sul, cruzavam alto o céu do sertão e pouco se via daquele enorme balão, já na época pela fama apelidado de “charuto voador”.
O fato que narro deu-se numa noite de tempestade, cheia de relâmpagos e forte ventania em 1933. Nesta noite o grande dirigível foi visto sobrevoando Ipueiras, quase como a rodopiar no céu.
Havia muita ventania e chuva fina a antecipar um grande temporal, e durante quinze a vinte minutos o dirigível passou baixo, talvez lutando contra as fortes rajadas de vento, baixando de altitude e aproveitando-se da singular topografia de morros da cidade, num formato quase perfeito de uma ferradura. Quem sabe a proteger-se ou tomar equilíbrio para voltar as alturas.
O povo estava nas ruas, pois a chuva era ainda fina, fascinado-se com àquele espetáculo. Os relâmpagos iluminavam o céu da cidade e o balão podia ser visto riscando as grossas nuvens, o povo via a cada relâmpago o formato gigantesco do engenhoso veículo aéreo, em rota a contornar os morros.
Depois ao leste foi sumindo. Só as luzes das cabines eram agora vistas, cada vez menores até sumir. A chuva então começou a cair forte, e o povo foi abrigar-se nas casas, comentando o fantástico acontecimento.
No dia seguinte era o assunto que se falava, a passagem do “charuto voador” pelos céus da cidade, fato que nunca mais registrou-se e por não mais repetir-se, de tanto contar-se, calou-se no povo o assunto, até cair no esquecimento.
Numa carta antiga porém, ficou registrado a passagem do Zeppelin pelos céus de Ipueiras. Enviada por um jovem a um primo em Belém do Pará.
No trecho ainda legível ele anotou “... o balão esquisito mais a parecer um charuto imenso rodou no céu ... pensar, e se atingido por um raio, que naquela noite tudo iluminava, rápido teria caído da altitude, e explodido em um dos morros, que da cidade muito se acercam ... seria de fato seriamente primo, uma grande tragédia que espero nunca ocorra com tal belo e colossal engenho ...”

Crédito da foto acima : foblc.org.uk

Bérgson Frota, escritor, contista e cronista, é formado em Direito (UNIFOR), Filosofia-Licenciatura (UECE) e Especialista em Metodologia do Ensino Médio e Fundamental (UVA), tem colaborado com os jornais O Povo e Diário do Nordeste, desenvolvendo um trabalho por ele descrito de resgate da memória cultural e produzindo artigos de relevância atual.