Suaveolens

Este blog foi criado por um cearense apaixonado por plantas medicinais e por sua terra natal. O título Suaveolens é uma homenagem a Hyptis suaveolens uma planta medicinal e cheirosa chamada Bamburral no Ceará, e Hortelã do Mato em Brasília. Consultora Técnica: VANESSA DA SILVA MATTOS

Minha foto
Nome:
Local: Brasília, Distrito Federal, Brazil

Cearense, nascido em Fortaleza, no Ceará. Criado em Ipueiras, no mesmo estado até os oito anos. Foi universitário de agronomia em Fortaleza e em Recife. Formou-se em Pernambuco, na Universidade Rural. Obteve o título de Mestre em Microbiologia dos Solos pelo Instituto de Micologia da Universidade Federal de Pernambuco. Também obteve o Mestrado e o Doutorado em Fitopatologia pela Universidade de Brasília. Atualmente é pesquisador colaborador da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília.

14.8.09

O CORTEJO CONFEDERADO

Por
Raymundo Netto

Especial para O POVO 14.08.2009
.
30 de julho do ano da graça de 2000 e 9. Era Dia Estadual do Patrimônio Cultural do Ceará. O sol brilhava em raios fúlgidos, como diz o Hino. No Fortim holando-português, uma multidão brincante exortava a cal triste da muralha.
Ali tudo começou... Palhaços, feitos gafanhotos em pernas de pau, anunciavam a tragédia: os condenados seriam executados, fuzilados a sangue frio. Tais desgraçados contrariavam Sua Majestade, El-Rei, o Defensor Perpétuo sem fé nem palavras de nosso Brazil. São loucos?! Soldados, pegados em armas e carrancas, ameaçavam sem “quartas paredes” a mostrar as coronhas a todos que se aproximavam: “Não se grude, não. Não se grude!”
Oswald Barroso, com um riso brincante de quem faz teatro por encantamento, dirigia a execução. À frente, dentre os degradados, Ary Sherlock deixara todas as lágrimas nas masmorras dos séculos. Que final dramático para mais de 50 anos de dedicação à arte...
Ao lado de Ary, outros inconsoláveis Carapinimas, Antas, Bolões, Ibiapinas e Mororós seriam arrastados pela cidade de prédios altos patinados pelo sol, a revelar, em cada auto, a nova ordem das coisas.

Otávio, Paulo Renato e Luís Alves, escuderia do Conselho, após a degradação de alvas curtas e brancas, soltaram as correntes e os tambores davam rufos abafados no ar diante do quartel imaginoso de Marajaitiba. O cortejo seguiria as ruas, assistido por populares revoltados e revoltosos a correr as calçadas conclamando os passantes a notícia: “Eles vão morrer e ninguém diz nada? Ninguém diz... NADA!” Diz, sim: Liberdade!“Te Deum”. “Te Deum”. “Te Deum”.

Demônios imperialistas, a sacudir postes e lampiões, corriam trilhas marcadas de sangue e ódio. Riam-se da loucura dos homens quão repetida em sua estrada de asfaltos. Subiam às árvores, zombavam de nós tão desgraçadamente violentados pela história e confortavelmente acomodados às cerimônias de beija-mão.

Homens rudes apontavam às viúvas, sinos repicavam despedidas e policiais, vestidos em montarias, guardavam o cortejo que se ia alegre de morte.Assim como a bárbara D. Bárbara, do sítio Pau-Seco, o fez na igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, o tristonho Tristão, feito Cristo quedo e varado à bala sob as poeiras duma jurema preta, emergia às sacadas do Sobrado Dr. José Lourenço a denunciar a loucura de todos nós na voz mansa de um Poeta de Meia-Tigela, um misto de Diógenes de Sínope e São Miguel Arcanjo. Outros poetas, escritores, atores, pintores e fotógrafos contemplavam a agonia carnavalizada, a marcha derradeira, a suprema violência do poder de direito, a inconteste agrura de ousar-lhes o pensamento. Na praça-coração, narizes curiosos se amontoavam, perguntavam quem eram aqueles, o que era aquilo? “É isso que é o ‘Fortal’, é?” “É não, abestado, não está vendo que é drama?”

O Bumba-meu-boi, enfurecido, bailava a rebolar as suas fitas de cores de ressurreição... No cortejo seguiam também o Maracatu Az de Ouro, a Capoeira do Mestre Índio, o Reisado de Nossa Senhora das Dores, a Quadrilha do Zé Testinha, os batuqueiros da Caravana Cultural, os índios Pitaguary, a Escola de Samba Independentes da Bela Vista, ao passo que bacamartes lentos se desfaziam em caretas confirmando a dificuldade de se segurar um povo quando se une: Liberdade!

No caminho, crianças metálicas do Vale do Rio Salamanca refletiam o desenlace final, o futuro da covardia, o sem-futuro, a miséria do cárcere coletivo. Um moço magro, Oficial de Ordenanças, seguia à frente da escolta. Clamava o respeito e não permitia o amor, pois o sabia: não iria ser amado: “Viva o Rei?” “Não, vivas o escambau!”No Campo da Pólvora do Passeio Público, finalmente, a noite assomava luminosa nas frondes das árvores. Exaltados gritavam “Liberdade!” numa noite quente. Um a um, os independistas são chamados ao fuzil. O Padre recusa a venda, coloca a mão ao peito e aponta para o povo atônito ao seu redor: “Camaradas, os alvos são estes!”. Preparar... apontar... atirar... fogo, FOGO! — um holofote incendeia, a produção apaga. — Com o tiro, dedos debulhados semeiam a terra, e dela, fértil, nasce um baobá de raízes silenciosas e imensas. Nossas raízes... silenciosas... imensas!A artilharia queixa-se entre mosquetes, salvas de canhões e o massacre continua: “Diz pára! Diz pára!”. Os corpos rebeldes caem como folhas (clichê bonito...) no chão. A vida se vai guiada por girândolas a estourar nos céus da praça, por si, de Mártires. Os famintos vira-latas de todos nós se deliciam com saborosos miolos cheios de idéias revolucionárias vertidos nas areias.

Então, a cidade inteira, toda ela, se viu em negro... era o luto pela liberdade, mas só a Ana, Triste, ficou: Liberdade! Cortejo Confederado: evento comemorativo do Dia Estadual do Patrimônio Cultural,30 de julho, realizado pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, com a participação de atores e grupos culturais repetindo o trajeto feito, em 1825, pelo membros da Confederação do Equador e que culminou com o fuzilamento no Passeio Público. O Cortejo teve a direção de Oswald Barroso, textos do Poeta de Meia-Tigela e a participação de atores, dentre os quais, Ary Sherlock.

_____________________________
Raymundo Netto é autor do romance “Um Conto no Passado: cadeiras na calçada”.
Contato: raymundo.netto@uol.com.br
Blogue: http://raymundo-netto.blogspot.com/
Fotos de Raymundo Netto

2 Comentários:

Blogger Jean Kleber disse...

Grande espetáculo em Fortaleza! Grande artido do Raymundo Netto. Uma honra para o Suaveolens publicar!

14.8.09  
Blogger Palhaço Barruada disse...

Foi maravilhoso poder ter participado desse momento incrível!!!!

2.4.20  

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial