Suaveolens

Este blog foi criado por um cearense apaixonado por plantas medicinais e por sua terra natal. O título Suaveolens é uma homenagem a Hyptis suaveolens uma planta medicinal e cheirosa chamada Bamburral no Ceará, e Hortelã do Mato em Brasília. Consultora Técnica: VANESSA DA SILVA MATTOS

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Local: Brasília, Distrito Federal, Brazil

Cearense, nascido em Fortaleza, no Ceará. Criado em Ipueiras, no mesmo estado até os oito anos. Foi universitário de agronomia em Fortaleza e em Recife. Formou-se em Pernambuco, na Universidade Rural. Obteve o título de Mestre em Microbiologia dos Solos pelo Instituto de Micologia da Universidade Federal de Pernambuco. Também obteve o Mestrado e o Doutorado em Fitopatologia pela Universidade de Brasília. Atualmente é pesquisador colaborador da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília.

29.2.08

ALEGRIA, VIDA

Por
José Costa Matos
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Bati nas pedras de um tormento rude / e a minha mágoa de hoje é tão intensa, / que eu penso que a alegria é uma doença / e a tristeza a minha única saúde.´
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A constituição profética dos grandes poetas levou Augusto dos Anjos a ir além do seu tempo. E escreveu estes versos que parecem muito mais acontecimentos desta civilização do estresse, carregada de doenças novas ainda sem nomes específicos nos diagnósticos.
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Um sábio cristão, Alceu Amoroso Lima afirmou: ´Não temos direito à alegria. Temos o dever da alegria.´ Fala-se nesse dever e reaparece, lá na diocese de Sobral, um campeão de humildades que repetia no seu jornalzinho: ´O pessimismo não é cristão.´ Monsenhor Olavo Passos tinha uma feira de pensamentos alegres para os rapazes marianos de sua liderança.
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Já se falou muito em alegria. A liturgia da missa na Igreja Católica era dialogada entre celebrante e acólito:
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- Entrarei no altar de Deus.
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- Do Deus que é a alegria da minha juventude.´
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Ad Deum qui laetificat juventutem meam.´ Na beleza deste latim, e em nome da comunidade presente, o acólito falava de um Deus que alegrava a juventude de todos. Todos jovens, todos alegres.
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Mas falar em Deus tornou-se uma velharia. A ciência cresceu. Ocupou mais pensamentos e livros. Renan, com muita fé, escreveu ´O Futuro da Ciência´. A economia pareceu dividida em marxismo e capitalismo, mas essas filosofias estavam unificadas na valorização do poder de comprar.
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John Maynard Keynes, economista, acreditava no homem capaz do racional, mas nunca antes de esgotar todas as alternativas contrárias ao raciocínio. Na verdade, só uma racionalidade muito rasa não descobre a base comum de marxismo e capitalismo.
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Quando teorizou a psicanálise, Sigmund Freud não temeu velharias. Para aclarar o mistério dos complexos, buscou apoio no teatro de Sófocles, que viveu no século V antes de Jesus Cristo...
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E a suprema aspiração da felicidade, com passagem pela alegria. E equívocos sem número na História. Na busca do requinte alegre, os guerreiros de Síbaris treinaram seus cavalos para a dança ao som de flautas. Povo inimigo, os citas sabiam disto. E os citas levaram flautistas para o campo de batalha. Os cavalos dos sibaritas foram dançar as músicas das flautas. E os seus montadores foram destroçados pelos citas.
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Nos séculos XV e XVI, a busca da alegria estava no descobrimento de rotas do mar grande.
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A rota das Índias: riquezas, as especiarias, a pimenta-do-reino, cravo, canela, perfumes, sabões...Diz o francês Michelet que seus antepassados passaram mil anos sem tomar um banho.
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A rota do Novo Mundo: a prata, o ouro, o mentira verde das esmeraldas, a maravilha dos latifúndios nas sesmarias, e até a fuga ao tédio. Contra as mesmices de Castela-a-Velha, Juan Ponce de León atravessou o Atlântico. Descobriu a Flórida e morreu de alegria: no dia de São João bendito, achou ´algo nuevo que mirar.´
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Marcel Proust indica remédio contra as falências da promessa de alegria dos turismos. O verdadeiro descobrimento das viagens não é o encontro de novas paisagens. É o descobrimento de novos olhos...Futebol. Carnaval. Opções de todos os caminhos. Alegrias de massas. Mas depois do grito de gol, depois do samba-no-pé, em canto ou em pranto, cada um se defronta com sua equação pessoal.
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E Deus?
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Foto : parentes e afins do poeta Costa Matos em alegre excursão nas cercanias de Fortaleza, no Ceará.
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José Costa Matos, ilustre poeta, contista e escritor cearense várias vezes premiado, é membro da Academia Cearense de Letras. É natural de Ipueiras-Ceará.

21.2.08

O CAMINHO DAS LENDAS

Por
Dalinha Catunda

Uma pedra no caminho,
Havia e eu nem liguei.
Feito moleque de rua,
Por cima dela pulei.
Filha do vento e dos morros,
Com arte não escorreguei.

Não nasci nas Minas Gerais.
Nem tão pouco em Itabira.
Minha terra é Ipueiras,
Lá pras bandas da Macambira.
Sem ligar pros desencontros,
Cansei de dançar quadrilha.

O mel que adoçou meu leite,
Foi feito por jandaíra.
Peixe de água doce,
Comi de piaba a traíra.
Corri de vaca valente,
O que aguçou minha ira.

Brinquei de virar mãe-d’água,
Em meu pequeno torrão.
Debruçava e me olhava,
Nas águas de um cacimbão.
Era a Uiara sonhada,
Habitando minha ilusão.

Filha do vento e dos morros,
Não menos filha da lua.
Na madrugada encantada,
Na fonte banhei-me nua,
E foi assim que nasceu,
A minha história e a tua.

O banho na madrugada.
Passos de dança ao luar.
Um cavalheiro... oh, acaso!
Uma dama, o Eros, um par.
Clima, química, e encaixe,
Uma lenda a se desenhar.
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Foto: vista da chegada ao balão do Ipu que dá acesso à Ipueiras. Ao fundo a Serra da Ibiapaba, reino de muitas lendas.
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Maria de Lourdes Aragão Catunda – POETISA, ESCRITORA E CORDELISTA. Nascida e criada em Ipueiras-CE, conhecida popularmente como Dalinha Catunda, vive atualmente no Rio de Janeiro. Publica nos jornais "Diário do Nordeste" e "O Povo", nas revistas "Cidade Universidade" e "Municípios" e nos blogs: Primeira Coluna, Ipueiras e Ethos-Paidéia. É co-gestora convidada do blog Suaveolens, além de ter blog próprio (cantinhodadalinha.blogspot).

16.2.08

NÃO TE DAREI MEU CORPO

Por
Ângela Maria R. O. Pereira Gurgel
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Não te darei o meu corpo, ele é efêmero,
Desgasta-se com o tempo, é passageiro,
Dar-te-ei minha alma, ela é imortal
Carrega o que em mim é mais verdadeiro
Para ti não farei nenhum gênero,
Serei tua, sem pressa, ao natural.

Não te direi palavras de amor,
Nem te cantarei nenhuma canção,
Prefiro que vejas o suave rubor
Em meu rosto, pleno de emoção.

Não te farei promessas, ou juras,
Prefiro que sintas toda a ternura
Que exala nos odores que de mim
Soltam-se como pétalas no jardim.

Nada te darei que seja fugaz...
De mim terás a eternidade
E tudo que o amor for capaz
De transformar em felicidade.
Porque sou assim...
Pedaços de você guardados em mim!
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NOTA DO BLOG: esta poesia foi publicada na Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos - Poemas selecionados para o volume 43 / Fevereiro de 2008. Congratulamo-nos com nossa companheira Ângela.
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Foto: site abdominais
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Ângela M. Rodrigues de Oliveira P. Gurgel, poetisa, nasceu em Mossoró-RN, tendo vivido em outras cidades do Rio Grande do Norte (Almino Afonso, Caraúbas, Caicó e Natal) e do Pará (Tucuruí e Marabá). Atualmente mora em Mossoró-RN. Graduada em Ciências Sociais, cursa atualmente Filosofia na UERN (Universidade do Estado do RN) e Direito na UnP (Universidade Potiguar). Já exerceu o cargo de Secretária de Educação em Caráubas, onde também foi Diretora de uma escola de Ensino Médio.

11.2.08

DE COMO TENTAR EVITAR O FAST FOOD

Por
Lin Chau Ming
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Tenho uma cunhada que trabalha como caixa em um banco no Paraná e ela tem 15 minutos para almoçar. Isso mesmo, 15 longos minutos... Por morar em uma cidade pequena e a agência bancária ficar a poucos quarteirões da casa, consegue voltar e almoçar com a filha e o meu cunhado.
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Isso é uma exceção (o fato de poder almoçar com a família) para os bancários. Não sei direito como funciona o horário para os funcionários de bancos, mas, penso que é um tempo extremamente curto, não sei se é assim em todos os bancos. Mas é uma demonstração de que estamos nos aproximando do sistema americano de horário de trabalho. Aliás, como também não sei como funciona esse sistema por aqui, se é que existe algum sistema, minhas considerações se referem ao que eu pude observar.
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Na Columbia University, existe um número grande de restaurantes e lanchonetes nas avenidas e ruas ao seu entorno. É possível observar suas mesas e bancos lotados, num horário que varia das 10:00h (para o brunch, que vem a ser um misto entre breakfast e lunch) até às 16:00h. Sim, tem gente que almoça nesse horário, aliás, muita gente. Ou seja, não existe horário fixo de almoço. E logo retornam à universidade.
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Meu orientador não tem horário de chegar e nem de sair, e consequentemente, nem de almoçar. Em geral, almoça perto das 13:30-14:00h, quando não aparece nenhum orientado para conversar, então ele tem que adiar seu horário um pouco mais. E como os outros, assim que termina de almoçar, volta imediatamente ao trabalho.
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Numa foto de meia página em um jornal diário daqui era mostrado um grupo de jovens executivos de uma das grandes corporações financeiras de Wall Street, em seu horário de almoço. Sabe onde eles estavam almoçando, aproveitando um pouco do sol que havia naquele dia? Numa praça perto da bolsa de valores de Nova York, mal acomodados em um banco, comendo fatias de pizza com refrigerante...
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Isso sim, é vida, pobres coitados. Mas eles não têm culpa, foram levados a fazer isso pela necessidade imposta pelo trabalho, assim como a grande maioria dos trabalhadores daqui.
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Conversei com funcionários da Columbia e eles têm uma hora de almoço. Empregados da construção civil também. Professores do ensino secundário apenas 45 minutos.
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Em Botucatu, se quisesse, eu poderia ter duas horas de almoço. Geralmente uso cerca de uma hora e meia, mas consigo ir para casa, almoçar com a família, tirar uma soneca e então, voltar restabelecido para a faculdade. Acostumei a tirar a soneca, mesmo que seja por uns dez minutos apenas. Outra diferença, não como em fast-food, mas sim, uma comida bem caseira, com todos os ingredientes nutricionais necessários. Como bom oriental, não prescindo de umas boas porções de hortaliças em todas as refeições.
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Aqui, as alternativas não são tão saudáveis assim, há sempre uma carinha do senhor da KFC a nos olhar, um sinal do McDonald’s a tentar nos indicar o local, o sanduíche estilizado do Burger King, ou mesmo a casinha da Pizza Hut, além de tantas outras lanchonetes menos conhecidas, distribuídas por toda a cidade. Para os menos endinheirados, encontrar algum restaurante chinês é sempre interessante, pelos baixos preços.
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Estatísticas atuais mostram que cerca de 75% da população americana tem sobrepeso. É muito comum ver pelas ruas daqui pessoas obesas, mas perguntei sobre a estatística e me disseram que a cidade não está dentro desse índice, que isso é mais visível na região central americana. Parece ser verdade, se for fazer a comparação visual das pessoas obesas mostradas nos noticiários de televisão, a maioria delas branca, com as desta cidade. Esses índices mostram que o país campeão é uma ilha da Polinésia, onde mais de 90% da população é obesa. Os nossos vizinhos argentinos são os campeões da América do Sul, ganham facilmente de nós, ainda bem, é um título que não queremos.
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A obesidade tem a ver com o fator hereditário, mas principalmente, pelo hábito de vida. Alguns povos são obesos por fatores genéticos, outros para mostrar status (riqueza ou nobreza era demonstrada pela barriga avantajada), mas todo o restante, se deve ao hábito de comer inadequada ou demasiadamente.
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Nestes fast-foods se come muito carboidrato e muita fritura. Preocupados com isso (lembrem-se do processo movido contra o McDonald’s, por um homem que ficou comendo hamburgeres dessa empresa não sei por quanto tempo e ficou obeso), os americanos estão repensando algumas coisas. E já tomaram a decisão, acertada por sinal, de proibir o uso de gordura vegetal hidrogenada, um dos principais aliados da obesidade e do infarto do miocárdio, nos alimentos servidos nos restaurantes e lanchonetes da cidade de Nova York.
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Não costumo comer sanduíches e por aqui não tenho ido a lanchonetes. Também não tenho horário fixo para almoçar, pois ficar trabalhando muito concentrado faz a gente esquecer da fome. Isso me preocupa, pois posso acabar ficando igual aos americanos no tocante ao horário e tempo de almoço.
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Quando estou na Columbia, almoço em algum restaurante chinês (por necessidade financeira e também pelo hábito nativo) ou cozinho em casa e levo uma pequena marmita para a universidade, equilibrada nutricionalmente (penso eu), e me concedo uma hora para o almoço, afinal, também tenho que voltar a trabalhar. Mas, ficar comendo nesses fast-foods, podem ter certeza, não ficarei.
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Não tenho estômago para isso.
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Foto do sanduiche : sistema de divulgação da empresa Mc Donalds.
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Lin Chau Ming é engenheiro agrônomo pela Escola Superior de Ensino "Luiz de Queiroz" da Universidade de São Paulo (1981), doutor em Agronomia (Produção Vegetal) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1996) e doutor em Ciências Biológicas (Botânica) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1995). Atualmente é professor adjunto da UNESP em Botucatú-São Paulo. É editor chefe da Revista Brasileira de Plantas medicinais. Este ano (2007), está em Nova York, na Columbia University, fazendo pós-doutorado na área de Etnobotânica.

9.2.08

O CARNAVALESCO

Por
Raymundo Netto (no carnaval de 2006)

Deu entrada no hospital, carregado numa maca ligeira, o velho.
Sua respiração era curta, hesitante, e o olhar bacento. Curiosos, que o viram à porta, afirmavam:
-Esse não volta mais...
O sábado acordava em pleno carnaval, sob uma comemoração em gotas finas de chuva.
-Oh, jardineira por que está tão triste, mas o que foi que aconteceu? Foi a camélia que caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu...
O velho havia sido recolhido em seu quarto de pensão, aparentemente, morto. Era um milagre ainda respirar. Mas para quê?
Ele via no teto, distorcidas, aquelas luzes, e lembrava de um tempo quando as luzes o procuravam.
Era carnaval outra vez... Ah, como ele amava o carnaval...
Havia algum tempo, vinha a lembrança, desfilava no corso com as autoridades da cidade. Os populares nas ruas, sacadas e escadarias, davam-lhe as mãos, acenavam-lhe, aplaudiam e saudavam-no com uma generosa chuva de confetes, serpentinas coloridas e sorrisos cativantes.
-Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim. Ah, Meu Deus, não faça assim comigo não. Você tem, você tem que me dar seu coração...
Sim, num palanque de madeira na praça do Ferreira era ele quem, portando as chaves da cidade, iniciava as festividades oficiais do carnaval. E como era esperado! Quanto fascínio e admiração ele provocava naquelas pessoas sempre tão alegres, tão sem tristezas...
-Quanto riso, oh, quanta alegria, mas de mil palhaços no salão. O Arlequim está chorando pelo amor da Colombina no meio da multidão...
Saía, ainda jovem, pelas ruas da cidade a pular o carnaval. Seus joelhos eram fortes, o calor era grande, mas nada o impedia de dançar... Nada!
Enquanto isso, as bandas do Exército e da Polícia Militar tocavam, em meio aos foliões, as marchinhas gostosas dos carnavais daqueles tempos.
Na Duque de Caxias, desfilavam os negros cordões de maracatus. Lá pros lados da Gentilândia outros blocos surgiam a cada dia.
Tantos casos de amor ele vira desabrochar na euforia dos salões. Ele mesmo, quantos amores não colecionara durante os folguedos? Fizera tantas promessas, trocara juras... Onde, onde estariam todas elas? Será que elas o esqueceram? Para que se enganar? É claro que não!
-Se a lua contasse tudo que vê de mim e de você muito teria o que contar. Contaria que nos viu brigando e viu você chorando me pedindo pra voltar...
Buscou na memória a jovem Teresa, curvas inesquecíveis, que o recebera com honrarias de Majestade, a pedido do Governador, no Palácio da Luz. Fora amor à primeira vista, porém, que fenecera em poucos anos ante a revelação de uma paixão maior: a folia! Esta, felizmente, só o abandonara com o advento da idade, da miséria e da doença...
Ah, e a Afonsina, então? Jurara, de pés juntos, que não o deixaria por nada, mas por nada e com nada o deixou.
-Se você fosse sincera, ô, ô, ô, Aurora. Ai, Meu Deus, que bom que era, ô,ô,ô, ô, Aurora...
Mesmo assim, a princípio, lavava sua dor a chiringadas de lança-perfume, embriagado com o som dos apitos e nas risadas livres da alegria popular.
Depois, o inevitável: caiu vertiginosamente num abismo de bebedeira que superava o carnaval e permanecia durante o ano inteiro.
-As águas vão rolar. Garrafa cheia eu não quero ver sobrar. Eu passo a mão no saca-saca-saca rolha e bebo até me afogar... Deixa as mágoas pra lá!
Foi muito fácil perceber que o seu reinado chegara ao fim. Sabia que estava um farrapo de gente. Ninguém lhe daria atenção, desde então... Ninguém! Eles não se dignavam nem a recebê-lo. Também pudera, daquele jeito...
-Ei, você aí, me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí. Não vai dar? Não vai dar, não? Você vai ver que grande confusão. Eu vou beber, beber até cair... Me dá, me dá, me dá, Oh, me dá um dinheiro aí...
Nas noites em que não conseguia chegar à pensão onde morava, dormia na praça e nos botecos. Até de um cabaré safado fora expulso certa vez. Era, definitivamente, uma réstia de rei.
Nos últimos carnavais, a bebedeira rolava frouxa e, misturada com diversas novidades que surgiam, ficava ainda mais fora de si. O Momo, como era jocosamente conhecido nos bares, lamentava a deturpação dos valores do amado carnaval, mas, depreciado, infeliz, ridículo e fraco sua voz não ecoava, ao contrário, produzia ruidosas gargalhadas da estranha confraria. Não havia mais nada a fazer... Seus sonhos foram definitivamente descosidos; seu tempo havia passado, assim como o seu carnaval.
-Pode me faltar tudo na vida: arroz, feijão e pão. Pode me faltar manteiga e tudo o mais não faz falta, não. Pode me faltar o amor, disso até acho graça. Só não quero que me falte a danada da cachaça!
Num susto, sentiu os médicos lhe apertarem o peito, na tentativa de fazer seu coração desesperançado reagir. Que ele tivesse mil corações, trocaria todos por uma única e derradeira noite de carnaval. Não abriria mão de nada! Sorveria todas as fantasias, colheria todos os abraços, dançaria a noite inteira, se possível. Mas não foi.
Os confetes e serpentinas não precisavam mais do seu rei. A folia tomava vulto independente de sua presença. As pessoas nem lembravam mais dele. Uma antiga foto sua, que ainda perdurava na parede de um outrora tradicional restaurante, fora trocada por um calendário de mulher pelada.
A chuva ainda caía na cidade, quando, numa banca de revistas, uma chamada minúscula numa coluna de jornal, anunciava, com atraso, o enterro de um rei desterrado.
-Quem parte leva saudades de alguém que fica chorando de dor. Por isso eu não quero lembrar quando partiu meu grande amor. Ai, ai, ai, ai, está chegando a hora... O dia já vem raiando, meu bem, e eu tenho que ir embora...
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Crônica originalmente divulgada pelo prof. Marcondes Rosa de Sousa na Internet, nos grupos Ipueiras e Ethos-Paidéia.
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Raymundo Netto é autor do romance Um Conto no Passado - cadeiras na calçada, premiado pela Secretaria de Cultura do Estado do Ceará em 2004 e lançado em 2005 na Oboé. Desde então tem militado na literatura cearense como divulgador e produtor cultural, além de ser um dos editores (junto com Pedro Salgueiro, Jorge Pieiro e Geraldo Jesuíno) do CAOS Portátil - um almanaque de contos. É cronista convidado pelo Caderno Vida e Arte d' O POVO e colaborador de diversos sítios literários do país (Portal Amigos do Livro, Conexão Maringá, Letras e Livros, Nota Independente e outros).

6.2.08

AMOR DE CARNAVAL

Por
Dalinha Catunda


Me vesti de colombina,
com alegria de menina,
fui brincar meu carnaval.
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Era grande minha alegria,
achava aquela folia,
realmente genial.
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Foi quando passou por mim,
pulando pelo salão,
fantasiado de índio,
conquistou meu coração.
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Era na realidade,
o mais belo folião.
Quando nos esbarramos
no meio da multidão,
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foi total encantamento,
fui dançar em seu cordão.
Sua flecha de guerreiro.
acertou meu coração.
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Figura de Ceci e Peri: site "10emtudo"
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Maria de Lourdes Aragão Catunda – POETISA, ESCRITORA E CORDELISTA. Nascida e criada em Ipueiras-CE, conhecida popularmente como Dalinha Catunda, vive atualmente no Rio de Janeiro. Publica nos jornais "Diário do Nordeste" e "O Povo", nas revistas "Cidade Universidade" e "Municípios" e nos blogs: Primeira Coluna, Ipueiras e Ethos-Paidéia. É co-gestora convidada do blog Suaveolens, além de ter blog próprio (cantinhodadalinha.blogspot)

5.2.08

MARCHA DE QUARTA-FEIRA DE CINZAS

Vinicius de Moraes / Carlos Lyra
Acabou nosso carnaval
Ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações
Saudades e cinzas foi o que restou
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Pelas ruas o que se vê
É uma gente que nem se vê
Que nem se sorri
Se beija e se abraça
E sai caminhando
Dançando e cantando cantigas de amor
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E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade
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A tristeza que a gente tem
Qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir
Voltou a esperança
É o povo que dança
Contente da vida, feliz a cantar
Porque são tantas coisas azuis
E há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar de que a gente nem sabe
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Quem me dera viver pra ver
E brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais
Que marchas tão lindas
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E o povo cantando seu canto de paz
Seu canto de paz